2.10.08

Bar Zona Sul

Chovia como se não houvesse amanhã. Sozinha, pronta para comemorar a minha mais nova conquista degustando um prato bem grande de massa, parei naquele estacionamento de sempre. Três rapazes engravatados desciam do carro ao lado e um deles me esperava fazer o mesmo, carregando um guarda chuva. Me ofereceu “carona”, sorridente. Já na calçada, um deles diz:

- Nós vamos ao bar X. Onde é?

Não me restou mais dúvida: meu bar preferido, definitivamente, não é mais o mesmo. Poucas coisas restaram do palco para comemorações, lamentos, encontros fortuitos e celebrações de pura amizade. O principal se foi quase todo: os garçons. O melhor deles, Aílton - que de tão gentil e solícito já foi até homenageado pelo maior botequeiro que eu conheço - era uma mistura de vidente com terapeuta. Bastava olhar para mim, ele adivinhava segredos que nem eu mesma conhecia. E tinha sempre uma boa palavra a dizer, para acalentar ou felicitar. Aílton se foi de lá. Também se foram momentos tão lindos. O bar era meu refúgio nos tempos de dor. E para isso a mesinha do canto e uma boa amiga eram ótimos para que eu pudesse chorar, de frente para a parede e de costas para o restante do salão. Foi pra lá que eu fui – com uma blusa decotada para dar ânimo, conforme fui aconselhada - quando o meu pai foi pro céu e eu não entendia nada do que tava acontecendo.

Era lá a concentração para o desfile de carnaval que durava poucos minutos ao redor da rotatória. Lá conheci minha alma gêmea feminina e passei a integrar um time de futebol. Naquelas mesas me enfiei em diversas roubadas amorosas, me livrei de outras tantas. Conheci pessoas interessantíssimas, pessoas lindas, pessoas loucas. Estreitei laços de várias espécies, dividi risotos, macarrões com camarão, carpaccios e porções de bolinhos de arroz. Somei milhares de chopes, perdi inúmeras horas de sono, virei incontáveis madrugadas e gastei muitos, muitos reais. Com gente fina, elegante e sincera.

Mas aos poucos o meu bar foi sendo tomado por pessoas estranhas para mim. Pessoas que falam irado e que gostam de axé music, do Luciano Huck, de ostentar músculos e que usam alisadores de cabelo. Recorro a um estereótipo para facilitar a compreensão (e justificar minha incapacidade literária): um povinho meio zona sul demais pro meu gosto.

E imediatamente, ao dizer isso, me lembro da pessoa que é paga para mandar em todas as outras lá na firma. Que anda de carro importado, acha que sabe beber e falar de vinho e vive num mundo que se limita à tríade Morumbi-Vila Olímpia-Moema. Acha que a Barra Funda é só um amontoado de galpões industriais e nunca ouviu falar em vanguarda paulistana.

Pensei que o moço do estacionamento é como ele, só que se aventurou a desbravar o submundo da Vila Madalena, porque ouviu falar de um tal bar X que é iraaado, embora ele nem saiba onde fica. Quem dera todos eles se limitassem a sua própria tríade. Eu nunca teria trocado o meu bar preferido pelo da frente. Nunca.

2 comentários:

Anônimo disse...

Chovia como se não houvesse amanhã. E choveu tanto, mas tanto, e com tal zelo, e sempre e tanto, que amanhã não houve mesmo... Acho que foi o começo de post mais dramático que estes meus míopes verdes olhos já leram desde o meu primeiro login na internet!

Realmente é terrível ver os "nossos" espaços conspurcados por gente que não vale o ar que respira, gente que não merece... Ah, por falar nisso... Mandar em todo mundo lá na firma, vá lá. Andar de carro importado, vá lá. Achar que sabe beber e falar de vinho, vá lá. Viver num mundo que se limita à tríade Morumbi-Vila Olímpia-Moema, ok, é sub-vida, semi-vida, mas... vá lá. Achar que a Barra Funda é só um amontoado de galpões industriais, vá lá. Agora, nunca ter ouvido falar em vanguarda paulistana, Arrigo, Luiz Tatit & Ná & Rumo, Itamar, Premê, só mandando de volta à vetusta profissional que sacaneou o mundo ao dá-lo à luz! E olha que o Lira nem na Madá ficava!!!

Um beijo interminável como o teu talento, minha ídala!!

Anônimo disse...

Em todos os momentos, por mais que o mundo pareça estar derretendo à sua frente e você nada pode fazer, há sempre um lado colorido: ao menos ele te deu uma carona em seu super guarda-chuva, vá!!!rs
Este era um zona sul bem criado....rsrsrs
beijoca