10.5.09

Pessoa Livre do Tabaco

Eu já vinha pensando em parar de fumar há algum tempo. Não que eu estivesse assim muuuuito convencida de que pararia. Porque, como a maioria dos fumantes, eu gosto de fumar. Bastante. Porém, num ímpeto de coragem e a fim de voltar a ter bom hálito, procurei um médico que preparou um tratamento de 2 meses e meio para largar o cigarro. Apesar da extensão da coisa, no 8º dia, eu teria de abandonar o “amigão” que esteve ao meu lado por mais de metade da minha existência, nos últimos 16 anos. Sem choro nem vela. Sem essa de “ir diminuindo”. Largar e acabou. Morreu. Pronto.

Evidentemente, eu tinha um medo desgraçado. De me contorcer de abstinência, de ter uma vontade incontrolável de fumar a ponto de arrancar os cabelos. Achei que ia ficar louca, me mutilar, bater em todas as pessoas na firma e agredir velhinhos na rua. Até não resistir e dar um tragão.

Comecei o tratamento, mesmo assim. E me despedi do meu amigão na última sexta-feira. Como eu teria de largar o cigarro no sábado, não queria deitar pra dormir na sexta. E fui adiando por horas e fumando o último. Depois de cinco minutos, eu prometia: “este é o último” e acendia mais um. Três “últimos” depois, às 3 da manhã, eu tava caindo de sono. Tratei de me livrar do meu último maço, que continha dois deles, um isqueiro e um cinzeiro com algumas bitucas. Dei de presente. Poderia não resistir se olhasse para tudo isso na manhã seguinte. E capotei na cama.

Acordei no dia seguinte e pensei em não levantar. Café da manhã. Tomava e pensava: “pronto, agora eu vou morrer de vontade de acender um cigarrão”. Nada.

Liguei o computador, sentei na frente dele e me lembrei do tanto que eu fumava enquanto estava conectada. Olhei para o lado, estante onde um dia repousou o maço com seus companheiros inseparáveis isqueiro e cinzeiros, pronta pra alcançá-los. Força do hábito. E tinha certeza que mudar o hábito é que seria o mais difícil.

Na hora do almoço, mais uma vez senti um medo desgraçado. Depois da comida, a vontade de fumar é quase incontroável. Nada.

Entro no carro e... acendo um cigarro? Não. Fecho os vidros e vou o caminho inteiro até a firma cantarolando, tentando pensar em outra coisa.

Encontro o primeiro fumante do dia. Inexplicavelmente, a cena não me fez nem cócegas. Durante a rotina de trabalho foi mais difícil. Vontade? Abstinência física? Não tive. Um cigarro entre uma tarefa e outra? Era o costume. Mas não. Então, o quê? Duas bananas, uma maçã e uma pêra, bem distribuídas ao longo de 7 horas. E água, muita água (e xixi, muito xixi). E chiclete sem açúcar.

No jantar, o namorado pede ao garçom uma mesa para dois. “Fumantes, por favor.” Pelo visto, não só eu vou ter de mudar os hábitos. Pergunto se ele quer me matar e ele, rapidamente, ratifica o pedido. Um cigarro entre o couvert e a chegada do prato? Não. Então, o quê? Braços cruzados. Mãos inquietas. Ou dedos sendo estalados a todo momento. Tensão. É tudo bem estranho.
Garçom nos oferece café. Namorado me olha com uma cara de “eba, eu quero” - ele quer realmente me matar. Recuso. Café já é demais pra mim. Um teste de resistência de cada vez, por favor.

E aí me atentei para algo que ainda não tinha pensado. Sem cigarro, eu vou ser outra pessoa. Vou deixar de ser eu. E eu gosto de ser eu. Aí, entendi porque a pneumologista recomendou acompanhamento psicológico durante o tratamento...
Com o cigarro também vai embora uma parte da minha personalidade, será? Eu usava o cigarro pra dizer alguma coisa? Pra me defender? Que parte de mim ele era e eu vou perder? Sei lá... tenho confusão mental quando penso nisso. E confesso que fico um bocado triste. Eu não quero deixar de ser eu, raios.

Hoje é o segundo dia desta pessoa livre do tabaco. Como diria a Kátia, “não está sendo fácil”. Mas por enquanto tem sido bem menos difícil do que eu imaginava.

E mal posso esperar por alguém me pedindo um cigarro. Ou o isqueiro. Porque vai ser bem engraçado responder: “Desculpa, eu não fumo.”


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