28.4.08

Mind The Gap

Pra mim, que sempre morei em São Paulo, foi muito diferente viver, mesmo que só por 20 dias, em cidades que efetivamente funcionam harmoniosamente.

Digo viver porque, ainda que eu fosse turista em Londres, experimentei de parte da rotina dos meus incríveis anfitriões, sem os quais eu teria feito uma viagem completamente diferente e, certamente, menos interessante. Não fiquei em hotel ou albergue. Fiquei hospedada na casa deles, com cópia da chave no bolso e um telefone celular na mochila para combinações de encontros e eventuais pedidos de socorro. O que, evidentemente, me deu muito mais segurança a um ser humano perdido numa cidade daquele tamanho.

Logo na chegada, do aeroporto para casa, fomos de metrô. Uma hora e vinte de trajeto, com uma baldeação, para, segundo eles, eu não querer me locomover por meio dele nunca mais. Todo mundo sabe que o transporte público funciona bem por lá (quem nunca viu aquele mapa das linhas do metrô, que se transformou em estampa de vários produtos caça-turista?). Uma coisa é saber, outra coisa é fazer uso dele. É incrível poder ir para qualquer, QUALQUER lugar da cidade de metrô.



No primeiro dia, carregando mala e cuia, quase fui atropelada por ingleses desembestados que desciam correndo muito a escada rolante interminável. Ninguém tinha me explicado uma mecânica simples: se quer ficar parado na escada rolante e deixar que ela faça o trabalho de te levar até lá em cima (ou lá embaixo), pare do lado direito. O lado esquerdo deve ficar livre para quem tem pressa. Tá entendido?

stand on the right

Eu andava com o Oyster, que é mais ou menos o equivalente ao bilhete único de São Paulo, recarregável. Você encosta o cartão na catraca da estação em que vai embarcar e depois faz a mesma coisa no desembarque. Dependendo do trecho que você percorreu, é cobrado um valor, que fica em torno de 1,50 libras. O Oyster também funciona nos ônibus. Com ele, em vez de você pagar 2 libras na tarifa, paga apenas 90 cents. E depois de gastar um determinado valor em transporte em um dia - se não me engano são 5 libras -, você pode fazer todos os demais percursos sem cobrança de tarifa. E pode consultar na tela do terminal os percursos que você fez.

quase não fomos a Camden

Para mim, andar de ônibus foi um pouco mais difícil. Todo ponto tem um mapa enorme do lugar onde você está e do trajeto dos ônibus que passam ali. De modo que se você não sabe exatamente para onde vai, fica difícil. Além disso, nem sempre aquele ônibus passa onde você precisa ir. E se for necessário tomar dois deles, fica mais difícil ainda. Enfim, não preciso dizer que sempre que podia optar andava de metrô.

Dentro de todos os ônibus existe um letreiro luminoso e uma vozinha que indica que linha é aquela - pode ser útil em caso de bebedeira e avisa qual é o ponto seguinte. No metrô a mesma coisa, além do famoso Mind the gap, que há algum tempo foi adaptado e ganhou um please antes e um between the train and the plataform depois. Nas plataformas, outro letreiro informa quanto tempo falta para o próximo trem se aproximar, o nome dele e que linha ele faz - porque em algumas estações, na mesma plataforma passam dois trens diferentes. Ou seja, só se perde quem sofre de desgoverno agudo, o que ainda não é o meu caso.

Ainda que o transporte público funcione bem, obrigada, muita, muita gente se locomove de bicicleta. Claro que ajuda muito o fato de se tratar de uma cidade plana. Ajuda mais ainda o fato de os motoristas serem civilizados e respeitarem os ciclistas. Minha anfitriã loira e linda é adepta da bicicleta - com cestinha para carregar a bolsa – para ir e voltar do trabalho. Ela diz que além de ser mais saudável, economiza uma grana e tempo. É mais rápido ir para o trabalho de bicicleta do que de ônibus - por causa do trânsito - e até do que de metrô.


Londres também tem congestionamento nos horários de pico. Para tentar amenizar o problema, em 2003 entrou em vigor a congestion charge na área central da cidade - algo como o centro expandido de São Paulo, em menores proporções. Qualquer veículo que circula por lá em determinados horários paga um pedágio de 5 libras por dia. É bem caro. E a idéia é essa, mesmo: fazer as pessoas deixarem o carro em casa. O dinheiro arrecadado é investido em melhorias no transporte.

A idéia já foi cogitada por aqui. A única pequena, sutil e quase desimportante diferença é que Londres tem um sistema eficiente de transporte.

Todas as calçadas por onde passei tinham guias rebaixadas para deficientes e uma ranhura no chão para auxiliar os cegos na travessia da rua. Tudo bem que as novas calçadas da Avenida Paulista também têm. E onde mais, mesmo?

Em tempo, outra diferença gritante, engraçada e óbvia é a mão de direção das ruas e os carros. Não dá para achar normal as direções do lado direito e passar a marcha com a mão esquerda! E por várias vezes eu corri o risco de morrer atropelada, quando olhei pro lado errado ao atravessar a rua.

(continua)

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Londres - A Chegada

Meu maior medo nem era voar, ficar sem fumar por 12 horas e agredir a aeromoça por causa da abstinência, nem o risco de dividir a fileira com uma pessoa de mais de 120 quilos - que certamente ocuparia parte da minha poltrona. Era a imigração! Esse monstro que a mídia daqui criou na minha cabeça, com tanta notícia terrível de que os agentes malvadões mandaram pencas de brasileiros de volta de vários países.

Fui preparada. Levei um calhamaço de documentos que comprovam vínculo com o meu país, carta da empresa assinada pelo chefe, dizendo que eu sou importante para o bom andamento dos trabalhos, dinheiro vivo, passagem de volta emitida, nome completo, endereço, telefone e profissão dos meus anfitriões e toda a sorte de papéis relevantes. Na fila, ensaiava respostas mentais para as possíveis perguntas que me seriam feitas. E estava calma. Até chegar a minha vez. Tudo bem que eu tenho um histórico de desconforto em postos de imigração (a foto do passaporte é digna de uma traficante procurada pelo FBI), mas dessa vez foi demais.

Foi bem difícil convencer o senhor que me entrevistou que eu NÃO SOU TERRORISTA, NÃO IRIA ME PROSTITUIR E TINHA DATA PARA VOLTAR PARA A MINHA CASA. Mesmo mostrando para ele meu dinheiro, minha passagem, o endereço onde eu ficaria, a carta da firma, meu limite do cartão de credito e todos os 700 documentos que eu levei, ele não parava de fazer perguntas. Quando eu pensava “essa deve ser a última”, ele mandava mais uma. Fazia anotações numa fichinha. Levantava a cabeça. Olhava para mim. E perguntava, perguntava, perguntava como se não houvesse amanhã!

No começo, eu tava tranqüila e ele é que começava a se irritar com o meu inglês ruim e todos os “Sorry?” que eu dizia quando não entendia o que ele balbuciava. Mas aquele senhor conseguiu reverter a situação. Passou a nem se importar mais com o meu "hambúrguer" e nem com o que eu respondia e perguntou até onde minha mãe trabalhava, quanto eu ganhava por mês, quem pagou minha viagem, há quanto tempo eu a planejei... Pensei em dizer, por livre e espontânea vontade, que a minha calcinha era branca, antes mesmo que ele perguntasse, mas achei que não seria uma boa estratégia.

Por um momento - por mais de um, na verdade -, achei que o sujeito iria cometer a crueldade de me privar de ver o Big Ben. Mas depois de VINTE minutos, carimbou e assinou um visto de turista por 1 mês no meu passaporte. Filho da mãe!


A primeira impressão que eu tive de Londres, com a qual o senhor agente de imigração contribuiu amplamente, foi que os ingleses não falam inglês. Eles falam um outro idioma qualquer. Você pode dar o nome que quiser, mas aquilo NÃO É inglês. Aquele sotaque é infernal e eu não entendia absolutamente NADA do que aquela gente dizia. Eu gostava mais de conversar com estrangeiros (que é o que mais tem em Londres). Porque o sotaque é diferente e, dependendo da nacionalidade do cidadão, mais fácil de entender. Às vezes, o inglês deles é ruim. Who cares? O meu também é! Então, eles falavam tudo errado, eu também e, no fim das contas, a gente super se entendia. Deu até pra pechinchar preço. Uma maravilha!

Já na loja de CDs, escolhi o que eu queria e fui pra fila. Gente, o moço do caixa só precisava pegar o dinheiro e me devolver o troco. Mas ele quis conversar. Me perguntou se eu tinha encontrado o que estava procurando e aquilo que ele pronunciou não fez absolutamente nenhum sentido pra mim. Olhei, pedindo socorro, pro anfitrião que me acompanhava e fez o favor de traduzir aquele emaranhado de letrinhas que saiu da boca do caixa. Eu sorri amarelo pra ele: Yes, thank you!

(continua)

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26.4.08

I'm Back

Depois de 18 dias explorando as maravilhas de Londres e Paris, estou de volta.

Logo mais, tento escrever algumas linhas sobre a saga.

Por enquanto, me resta dizer que a depressão-pós-europa dói um pouco. E que eu, definitivamente, me estresso com o congestionamento na Marginal do Tietê.

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6.4.08

Give Me a Break!

Este blog entra hoje em recesso por tempo indeterminado, mas pode voltar a qualquer momento em edição especial da Terra da Rainha.

See ya!

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2.4.08

London Calling

Eu sempre adorei viajar, mas até me tornar inteiramente responsável pelos meus atos e gastos, nunca pude fazer viagens internacionais ou muito mirabolantes, porque a grana era curta. De modo que enquanto boa parte das minhas amigas da escola passava as férias de julho na Disney, eu ia encher o tênis de lama em Holambra. Enquanto elas iam aos EUA, eu sempre quis ir à Europa, desde as aulas de história e geografia da 5ª série.

Na época da faculdade, alguns amigos foram morar na Inglaterra. Alguns nunca mais voltaram. No alto dos meus 18 anos, eu quis ir também. Não tinha grana. Mais tarde, aos 24, depois de tomar um inesquecível pé na bunda, tive certeza que o melhor que eu tinha a fazer era vender meu automóvel popular e ir lavar pratos e servir gringos em pubs londrinos. Mas não tive coragem de largar emprego, carreira encaminhada, vida em geral e me mandar pra lá.

Acontece que a gente vai tomando um determinado rumo, vai fincando bases e hoje, aos 30 anos, eu continuo fascinada pela Terra da Rainha, sua música, cinema e habitantes, mas não tenho como largar o pouco que construi aqui para ir morar lá, com esse meu inglesinho de merda. Sei que existe bastante gente corajosa o suficiente para deixar bem mais do que eu conquistei e ir embora – mesmo falando um inglesinho de merda. Mas, de novo, eu não tenho essa coragem. E acho que nem quero mais fazer isso.

A solução foi fazer uma boa reserva financeira durante alguns anos para poder passar alguns dias das minhas férias na Inglaterra – tudo bem que a finalidade da reserva não era propriamente esta, mas agora é. E então, depois de 12 anos, finalmente visitarei aquela Inglaterra, como eu sempre quis.

Rezem para que o sujeito que me entrevistar na imigração não decida me mandar de volta, porque eu não sou terrorista, não pretendo me prostituir nem morar lá pra sempre. Quer dizer, acho que não.

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